📬 Entre o discurso bonito e o boleto pago
Está sempre justificando cobranças para não parecer insensível? Seu time anda distraído? Você mesma está dividida entre idealismo e entrega? Como equilibrar propósito e resultado sem perder o time.
Nos últimos anos, vimos um movimento silencioso ganhar força — e, agora, ele virou estatística: só em 2023, quase 38% das demissões no Brasil foram voluntárias. Pessoas que pediram para sair. Que não quiseram ficar. Que abriram mão de um salário fixo, de estabilidade, de uma carreira formal.
O que está acontecendo?
Tem quem diga que é “frescura”. Falta de resiliência. Mas não é simples assim.
Essa mudança tem raízes profundas — geracionais, sociais, econômicas, culturais.
É sobre a geração que cresceu ouvindo que “trabalho tem que fazer sentido”, que “o propósito vem antes do crachá” e que “não dá mais pra separar vida pessoal e profissional”.
É também sobre o acesso a novas formas de renda: criadores de conteúdo, infoprodutos, gig economy, nômades digitais, home office. O que antes era exceção, agora é alternativa viável — e muitas vezes, mais atrativa. E é, ainda, sobre uma mudança de expectativa: queremos mais do que pagar boletos. Queremos pertencer. Impactar. Ter liberdade.
De um lado, um time que busca significado, acolhimento, representatividade. Do outro, um negócio que precisa performar, gerar lucro, responder a investidores.
Como equilibrar essas demandas sem cair no cinismo ou no esgotamento? Como liderar quem não quer mais trabalhar “como antigamente”? E como seguir acreditando na transformação pelo trabalho quando as decisões do dia a dia parecem contradizer os valores que defendemos?
Talvez a resposta esteja em parar de enxergar isso como um simples “conflito de gerações” — e começar a ver como um momento de transição. Um convite à maturidade.
Sim, o trabalho pode (e deve) fazer sentido. Sim, é preciso repensar modelos ultrapassados. Mas também é preciso reconhecer: empresas existem para gerar resultado. Propósito sem entrega é só discurso bonito.
A geração que pediu demissão do modelo anterior
Tem muita gente jovem (e nem tão jovem assim) dizendo: “eu prefiro sair.” Pra virar freela. Pra criar um projeto próprio. Pra tentar viver de conteúdo. Porque não aguenta mais. Porque não era sobre isso.
Essa mudança é legítima e tem raízes profundas.
A Geração Z cresceu vendo as anteriores se dedicarem exaustivamente ao trabalho… sem garantia de sucesso no fim da linha. Agora, ela quer um trabalho com propósito. Com significado. Mas não está disposta a sacrificar saúde mental e física para enriquecer outra pessoa enquanto mal consegue pagar o próprio aluguel.
É também uma geração moldada por novas realidades:
O trauma coletivo da pandemia, que deslocou prioridades
O acesso a outras formas de renda
A vontade de encontrar mais sentido no trabalho e na vida
A percepção de que o antigo modelo de “engole e segue” simplesmente… não dá mais
E os dados confirmam: segundo o Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas 2024, a Geração Z é considerada a mais desafiadora de liderar. Para 68,1% dos líderes, ela representa o maior desafio de gestão. A segunda colocada? Baby Boomers, com apenas 11,4%.
Não dá pra ignorar.
Cada geração traz preferências influenciadas pelo seu contexto histórico.
- Baby Boomers e Geração X valorizam estabilidade, hierarquia e comunicação presencial.
- Gerações Y e Z preferem autonomia, flexibilidade, aprendizado digital e comunicação ágil.
As gerações mais jovens priorizam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. As anteriores, muitas vezes, priorizavam segurança e ganho financeiro.
Reconhecer e valorizar essas diferenças não é só sensibilidade, é estratégia. É isso que promove empatia, colaboração e um ambiente onde todos podem crescer.
Por quê está tão complicado para quem lidera?
Liderar a Geração Z exige mais do que adaptar o discurso — exige rever a forma como você se conecta. A chave está em compreender de onde essas pessoas vêm… e o que elas buscam no trabalho. Muito provavelmente, os objetivos da Geração Z são diferentes dos seus.
Essa geração tem características marcantes:
Rejeita estresse e cobranças excessivas
Deseja progressão rápida na carreira
Tem baixa tolerância a ambientes autoritários ou sem propósito
E, segundo o Relatório da Deloitte de 2023, existe um fator que faz toda a diferença no engajamento: empatia. Para a Gen Z, empatia não é um bônus — é pré-requisito. Eles precisam sentir que seus líderes realmente se importam.
O estudo mostrou também um abismo entre o que essa geração valoriza e o que seus líderes acham que ela valoriza. Enquanto muitos gestores acreditam que reconhecimento financeiro ou flexibilidade são os maiores motivadores, a Geração Z destaca:
Líderes que admitam erros
Que compartilhem suas jornadas
Que tenham propósito real — e não só no PowerPoint
Mas não é só sobre sentimento. Essa geração também quer autonomia, equilíbrio, saúde mental preservada. E não aceita trocar tudo isso por um crachá ou por promessas vazias.
E pra quem lidera… como equilibrar esse cenário?
Você precisa mostrar resultado. Mas também precisa lidar com o emocional da equipe, a desconexão e a crise de pertencimento. Esse é o maior desafio da liderança contemporânea: unir escuta e exigência. Empatia e pragmatismo. Idealismo e estratégia.
Já falamos aqui no Liderama sobre “gentileza com firmeza”, lembra? (Mar 26, 2025 - Cuidar ou cobrar? O guia para liderar com equilíbrio real) Esse é o momento de colocar isso em prática.
Quatro práticas recomendadas para quem lidera (e não quer perder o rumo)
1 - Esteja pronta para ouvir — mas também para ensinar o valor da entrega. A escuta ativa é essencial para compreender motivações e preocupações da equipe. Ao mesmo tempo, é necessário comunicar com clareza o papel na busca pelas metas.
Práticas recomendadas:
Faça 1:1 regulares e construa confiança — crie um espaço seguro onde o liderado possa compartilhar expectativas, dúvidas e desafios.
Compartilhe cases em que a dedicação levou a conquistas reais — conecte os esforços a marcos que mostram como consistência gera reconhecimento.
Mostre como cada entrega move a empresa e a carreira adiante — explique o impacto prático das ações individuais nos objetivos maiores do time e da organização.
Reforce que compromisso é uma ponte para autonomia — quanto mais confiável for a entrega, maior será o espaço para flexibilidade e liberdade.
2 - Traduza metas do negócio em objetivos inspiradores — e alcançáveis. Não adianta só repetir o OKR da diretoria. Conecte esse objetivo com o que faz sentido para o time. Explique o porquê e o impacto.
Práticas recomendadas:
Use linguagem simples — cansei de ver as pessoas passarem a repetir as siglas e expressões do momento que só complicam a comunicação.
Relacione metas com ações do time — fragmente as metas da companhia para explicar como o time (e de preferência, cada pessoa) contribui diretamente para a companhia.
Celebre as pequenas vitórias como marcos de algo maior — os momentos de celebração servem para muito mais do que reconhecimento. É uma oportunidade de conversar, conectar e reforçar o senso de propósito.
3 - Construa pertencimento — mas não abra mão da responsabilidade. A geração Z quer fazer parte. Mas também precisa assumir o compromisso com o que prometeu entregar.
Práticas recomendadas:
Promova rituais de conexão além do trabalho — como check-ins semanais, rodas de troca ou momentos de agradecimento.
Delegue com responsabilidade compartilhada — distribua não só tarefas, mas projetos com autonomia e metas claras.
Dê clareza sobre o que é “ser parte” — explique que pertencimento vem com participação e entrega.
Incentive a corresponsabilidade — diante de erros, crie espaço de reflexão conjunta, sem culpabilizar, mas com foco em soluções.
4 - Reconheça o conflito — mas não se anule. Quando os valores do negócio entram em conflito com o que você acredita, é preciso maturidade para equilibrar.
Práticas recomendadas:
Explique o contexto sem maquiar a realidade — traga dados, racional e impacto das decisões difíceis.
Diferencie posicionamento pessoal de papel institucional — represente com integridade, mesmo que tenha discordância pessoal.
Mantenha a ética, mas também a racionalidade — e, se o desalinhamento for profundo demais, considere novas possibilidades com consciência.
E quando o propósito entra em conflito com o negócio?
Esse é o ponto mais delicado. Porque sim, vai acontecer. A campanha linda que foi cortada. O projeto com impacto social que perdeu espaço. O patrocinador que exigiu algo que você não acredita.
1 - Reconheça a dor. Acolha as pessoas. Mas não se anule.
Conflitos entre valores pessoais e objetivos corporativos podem surgir. É vital reconhecer esses sentimentos, oferecer suporte, mas também manter a clareza sobre as responsabilidades profissionais.
Dicas práticas:
Ofereça canais de comunicação abertos: permita que os colaboradores expressem suas inquietações sem medo de represálias.
Forneça suporte emocional: considere a implementação de programas de assistência ao empregado.
Mantenha a transparência nas decisões: explique os motivos por trás de escolhas difíceis e como elas se alinham à estratégia da empresa.
2 - Você pode (e deve) escolher com que tipo de empresa quer se envolver. Mas, enquanto estiver ali, seja parte da construção. Leve sua visão. Ajude a provocar mudança. Mas com os pés no chão.
Se os valores pessoais divergem significativamente dos da empresa, é válido reconsiderar a permanência. Entretanto, se optar por ficar, engaje-se ativamente na promoção de mudanças positivas, sempre com realismo e compreensão do contexto organizacional.
Dicas práticas:
Participe de comitês internos: engaje-se em grupos que discutam e implementem iniciativas alinhadas aos valores que você defende.
Proponha projetos alinhados ao propósito: desenvolva iniciativas que conciliem resultados financeiros e impacto social.
Busque aliados: conecte-se com colegas que compartilham da mesma visão para ganhar força nas propostas de mudança.
Um exemplo que inspira: Natura
A Natura é um case reconhecido de equilíbrio entre propósito e resultado. A empresa construiu um modelo de negócios que combina metas financeiras com impacto social e ambiental. Isso foi possível com tempo, coerência e lideranças comprometidas com o discurso e a prática.
Você pode não estar em uma empresa como a Natura.
Mas pode iniciar uma mudança com o seu time que, com o tempo, transforma o ambiente à sua volta.
Para refletir:
Como anda a sua relação com o trabalho?
Você sente que precisa justificar suas cobranças para não parecer insensível?
Você tem conseguido inspirar — e também exigir?
Você está pronta para equilibrar cuidado e entrega?
Eu realmente acredito que liderar com intenção e maturidade é o que pode resgatar o valor do trabalho — como um espaço de transformação real.
Se essa news fez sentido pra você, compartilhe com outras mulheres líderes que também estão tentando encontrar o meio do caminho entre empolgação e esgotamento.
✨Você está pronta para deixar de ser a líder que agrada — e começar a ser a que transforma?
Com amor,
Andresa 🍀